domingo, 10 de outubro de 2010

Vingança: perdoar ou retaliar?



“Enquanto dormimos
a dor que não se dissipa
cai agora a gota sobre nosso coração
até que, em meio ao desespero
e contra nossa vontade
apenas pela graça divina
vem a sabedoria”

Esses versos, escritos há 25 séculos pelo poeta grego Ésquilo, formam a mais antiga e, para muitos, a mais bela conclamação ao perdão jamais colocada em pedra, papiro, papel ou tela. Bob Kennedy recorreu a ela na tarde do dia 4 de abril de 1968 para, durante um comício, consolar a multidão revoltada com a chegada da notícia do assassinato do líder pacifista Martin Luther King. Dois meses depois, o próprio Bob seria morto a tiros.

A luta entre a sabedoria que leva ao perdão e o desejo de vingança, porém, é mais antiga do que a civilização e é provável que sobreviva a ela, pelos exemplos a que assistimos hoje por toda parte. “Eu tinha contas a ajustar com ele”, disse o judoca português Pedro Dias, que buscou forças não se sabe onde para derrotar na Olimpíada de Beijim o favorito lutador brasileiro João Derly. Dias explicou que o desejo de vingança foi sua motivação. Derly “roubara-lhe” uma namorada no passado. “Ele foi humilhado, humilhado por mim.” – Comentou Dias, porém, o sentimento durou pouco, pois ele não teve nada do que queria realmente de volta: a ex-namorada.

Parece fazer parte do mecanismo instintivo de defesa dos seres humanos responderem a um tapo com outro tapa. Dar a outra face é a exceção pregada, com sucesso duvidoso, há mais de 2000 anos pelo Cristianismo. Antes de Cristo, as religiões não apenas amparavam como incentivavam a vingança desproporcional ao agravo. O Velho Testamento é repleto de passagens “olho por olho”. Nenhuma tão constrangedora quanto aquela em que o profeta Eliseu é chamado de “careca” por um grupo de crianças e, em resposta, manda dois ursos sair da floresta e despedaçar 42 criancinhas. Deve ser o único caso registrado em que uma peruca teria evitado uma carnificina. Como instituição, a religião é má conselheira nesses casos. As guerras religiosas são sempre as mais inexplicáveis, duradouras e cruéis da história humana. Para entender a origem do desejo de vingança e aprender a domá-lo, o melhor a fazer é trafegar por fora da religião.

É voz corrente que as mulheres são mais vingativas que os homens. Há controvérsias. Mas sem dúvida a mulher é mais espalhafatosa em sua vingança. Tanto no afeto quanto na vingança, a mulher se expõe mais. Quando os casamentos infelizes eram indissolúveis também pela lei dos homens, tanto o marido quanto a mulher tendiam a se amargurar silenciosamente, vivendo separados sob o mesmo teto e evitando demonstrações públicas do fracasso do relacionamento. Hoje é tudo mais fácil do ponto de vista econômico e jurídico. Culturalmente, nem se fala. Os casamentos não costumam durar o tempo suficiente para que as mágoas acumuladas transbordem para o prato frio da vingança.

Os entendedores da mente humana enxergam em boa parte dos episódios que chamamos vingança apenas explosões momentâneas de ódio e reflexos de defesa. Vingança mesmo começa pelo coração, é tramada no cérebro, guardada na memória, e sua execução é cuidadosamente lapidada pelo inconsciente. Por que ela não se dissipa, não desaparece lentamente como o conhecimento acumulado ou o nome daquela pessoa importante com quem cruzamos no passado e que seria vital lembrar agora?

A vingança é um impulso que se desenvolve basicamente em quatro etapas. A pessoa “entende” que sofreu um dano e conclui que este foi causado por outra pessoa. Em seguida acredita que esse dano foi injusto. E, por último, sente o desejo de retaliar. A questão que se coloca a partir desse ponto é a seguinte: por que o homem carrega dentro de si o espírito vingativo?

Em visão requintada, a vingança, quando voltada para dentro do grupo, transforma-se em punição. Ela é mais cerebral, controlada. Que qualidades podem existir no ressentimento?

Por sorte, entre o desejo de vingança e a execução da ação vingativa existe espaço suficiente para o homem exercer aquilo que a Bíblia chama de livre-arbítrio. A escolha entre o bem e o mal. Refrear o desejo de vingança não é fácil quando alguém sente o coração transbordar de fúria. A urgência da reparação do rombo no ego, seja por uma injustiça pessoal pela perda brutal de alguém querido, impede que a pessoa tenha clareza para julgar em que medida o agressor deve pagar pelo que fez.

Mas qual desses elementos da natureza humana – o desejo de vingança e a capacidade de perdoar – terá dado a maior contribuição na jornada do homem até os dias de hoje? Foi através da vontade de perdoar que a humanidade conseguiu interromper longas espirais de violência provocadas pela vingança. Como o ser humano está propenso a inevitavelmente cometer alguns erros durante sua vida, nada mais normal que ter um pouco de flexibilidade para lidar com eles. Nós não poderíamos ter evoluído como espécie sem a capacidade de suportar alguns prejuízos de vez em quando.

“Deixar passar a oportunidade de vingar-se de alguém é uma maneira de prolongar relacionamentos importantes, como um casamento ou uma amizade duradoura.” Carolina Romanini.

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