quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A completude não existe




"Lacan ensinou que o amor é o desejo impossível de ser um quando há dois. Noutras palavras, é o desejo impossível da completude. "

Vira e mexe ouço alguém dizer: "Fulano(a) não me completa". Como se a completude existisse. Trata-se de um mito originário da Grécia que se perpetura no nosso imaginário. Segundo o mito, nos primórdios, a forma humana era uma esfera como quatro mãos, quatro pernas, duas cabeças e dois sexos. Os seres humanos se deslocavam para a frente e para trás e, ao correr, giravam sobre os oito membros. Seu orgulho e sua força eram tamanhos que, para enfraquecê-los, Zeus os cortou pela metade. Para os gregos, o corte deu origem ao amor, que junta as metades e de dois seres faz um.

Num dos seus seminários, Lacan retomou esse mito para ensinar que, na verdade, o amor é "o desejo impossível de ser um quando há dois". Noutras palavras, é o desejo de impossível de completude, já que o desejo de um sujeito nunca coincide inteiramente com o do outro. A coincidência que o amante pode celebrar é a da crença na liberdade do amado. Uma crença que se expressa assim: "Faça tudo que desejar, pois o seu desejo é o meu". Com ela, a relação se renova continuamente, e se perpetua, torna-se possível.

Isso significa que o egoísmo é incompatível com o amor e este requer uma educação especial. Que o próprio amor, aliás, oferece, porque ele torna os amantes inteligentes. A paixão cega, mas o sentimento amoroso ilumina. O amante não precisa perguntar ao amado o que este quer, pois quem ama sabe a resposta.

A letra de uma das nossa canções populares diz que não anda bem quem anda atrás de amor e paz. Só é assim, no entanto, quando é da paixão que se trata e a relação entre os amantes é de espelhamento; quando um não autoriza o outro a ser ele mesmo, a diferir.

Fala-se muito na aceitação da diferença, porém ela é rara. Implica uma generosidade que não é espontânea e precisa ser conquistada. Para tanto, qualquer via é boa. A da educação laica ou religiosa, de qualquer religião, como bem disse o Dalai Lama, numa das suas conferências em Paris, insistindo na idéia de que para cada um a melhor religião é aquela na qual foi formado. Porque, em última instância, todas as religiões são contrárias ao egoísmo.

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