sexta-feira, 15 de abril de 2011

Caçando bruxas



Lamentável estar no seu horário de intervalo, e depois de gastar a voz nas salas de aula, um colega venha trazer ao momento de descanso e paz uma raiva que o faz esbravejar para todos ouvirem: "Viu só? Olhem isso! Político é tudo igual mesmo. Tiririca se juntou à corja. Agora o palhaço ri de nossa cara. Está na turma dos corruptos. Logo logo veremos ele se meter em roubalheira". Pensei bem se eu ia responder a isso, logo eu, que estava estirada no sofá tentando descansar. Então, me meti na conversa: "Querido, não estou defendendo o Tiririca, afinal eu nem o conheço, mas se seu filho conversase com usuários de drogas e disserem que por esse motivo ele também é usuário, você vai gostar? Você está supondo algo sem ter provas". O colega ficou meio desconfiado no início, mas depois disse: "É... tem razão!". O nome disso é "caça às bruxas".

Na Idade Media, uma falange de psicopatas autorizados pela Igreja caçava gente com o entusiasmo com que se caçariam animais selvagens. O maior divertimento era julgar, esfolar vivo e queimar na fogueira, depois de outros inimagináveis sofrimentos. Nada diferente de hoje, porém não se queima mais o corpo, mas sim a alma, as esperanças, a dignidade. Quem eram as vítimas da Igreja daqueles tempos? MULHERES. Mulheres que lidavam com o que hoje chamaríamos de medicina alternativa - a sabedoria popular de suas antepassadas. Havia também os bruxos, os que diferiam da doutrina religiosa ou da política dominante, contrariavam alguma autoridade, ou ainda, aqueles cujo vizinho nao ia com sua cara. Relatos e atas oficiais desses processos públicos enchem milhares de páginas da época, e nos dão vergonha de ser humanos.

Eu, quando pequena, adorava os livros sobre fadas e bruxas. Não me esqueço da Fadinha, que estava mais para bruxa, chamada Clara Luz, que no fim do livro prometia aos leitores emprestar seu livro de magia para que todos nós fizessemos a mágica da felicidade. Lembro-me que, na minha inocência, eu esperei por aquele livro. Eu sonhava com a Clara Luz me emprestando o livro para fazermos as magias e poções para melhorar o mundo. Engano meu. Melhoramos, nos civilizamos, ccrtamos alguns preconceitos. A servidão, ao menos concreta e legal, acabou. Servidões morais temos muitas. Uma delas é o impulso primitivo, das cavernas, de destruir, essa ferocidade no julgar e sentenciar, essa vontade de que o outro se dê mal. Parecemos doentes de ansiedade por ver alguém enxovalhado, por baixo, sem remissão. Muito além da lei e da Justiça, queremos sangue - ainda que seja o sangue moral, o sangue da alma.

Sou contra crimes, incluindo a corrupção. Apoio todas as justas ações da policia para proteger a sociedade, mas desgostam-me procedimentos que agridem levianamente, interrogatórios cruéis, ataques de qualquer ângulo, a execução moral de inocentes na fogueira da opinião pública, mais disposta a ver o mal em tudo. Ás vezes, como grupos ou sociedade, adoecemos.

Cair na armadilha do rancor primitivo e da atitude destrutiva torna a vida uma selva onde pessoas honradas são impedidas de executar projetos positivos, e às vezes têm sua vida injustamente aniquilada. É quando as bruxas boas fogem nas suas vassouras, deixando-nos um mundo mais sombrio.

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